Por José Eustáquio Lopes de Faria Júnior (@juniorpitangui)
O universo televisivo sempre
nos reserva polêmicas e discussões interessantes. E a do final de semana
envolve a inércia da emissora e a retomada das gravações de programas diante da
pandemia de Covid-19.
No último dia 3 de junho, o
podcast “UOL Vê TV”, com Flávio Ricco, Maurício Stycer, Chico Barney e Débora
Miranda, criticou a falta de ação por parte do SBT (veja o vídeo aqui, a partir do minuto 27). Dentre os vários comentários,
Maurício Stycer vê até certo merecimento e “estar feliz” pelo fato da Record em
retomar a vice-liderança diante da pouca movimentação do SBT por novidades.
Também na “live”, Flávio Ricco destaca que a Record retoma a vice-liderança no
PNT (Painel Nacional de Televisão) nos dois últimos meses justamente a partir
do momento que Silvio Santos passa a ficar confinado em casa e passa a mexer na
programação da emissora e diz que “se Silvio Santos fosse diretor de
programação de qualquer outro canal já teria sido mandado embora há muito tempo”.
Na noite deste sábado, 6, o
Diretor Artístico do SBT, Fernando Pelegio, foi ao seu Instagram e postou sobre
a agenda de retomada de gravações de vários programas “pós-pandemia” e criticou
o conteúdo veiculado pelo UOL (veja abaixo o print):
Para falar sobre esse assunto,
é preciso ir por partes. Primeiro: não estamos em um Brasil pós-pandemia. No momento nem sabemos ainda se estamos perto do pico. Por
mais esforço que possam fazer, o Brasil vive algo muito sério, com números
crescentes, com quase 700 mil infectados e 36 mil mortes. O que a emissora,
legitimamente, vem tentando fazer é trabalhar em cima das limitações que impõe
o momento. Existe um bom trabalho, por exemplo, no “Bake Off Brasil – A Cereja
do Bolo”, com retomada de participantes de temporadas passadas e convidados
revivendo antigas receitas. Já o The Noite vem tentando ajudar pessoas com seus
projetos no quadro “Danilo Gentili Mostra seu Negócio” e o Domingo Legal veio
com adaptações criativas e inteligentes para reativar o Passa ou Repassa.
Da mesma forma, é preciso
reconhecer que existe uma necessidade extra para voltar com programas nesse
momento. E ela vai de encontro à segunda parte do texto de Fernando Pelegio em
sua rede social: “É ultrajante ouvir que saímos de férias em dezembro e não
voltamos. Desrespeitoso no mínimo”. A rigor, foi isso mesmo, pelo menos para a
visão do grande público que assiste TV. Infelizmente já virou tendência do SBT
parar a maioria das produções ainda antes das festas de fim de ano e só retomar
as temporadas no decorrer de março, mesmo que para as produções em si as férias
sejam muito mais curtas. Enquanto se espera pela volta, a solução mais simples
é aplicada: reprises com melhores momentos do ano que passou. Com isso, não
existe sequer um respiro/descanso de imagem para atrações onde isso seria muito
bem-vindo como o Casos de Família, Esquadrão da Moda e mesmo o The Noite.
Só que esse ano “deu ruim” e quando
o SBT resolveu retomar os programas inéditos, já estava na cara que teria que
parar logo em seguida. Resultado: praticamente não teve programas inéditos no
ar. Alguns duraram duas semanas, três no máximo. Maisa, que estreou mais tarde,
em virtude de sua ‘Volta ao Mundo em 80 dias’, voltou com programas inéditos apenas
no dia 21 de março, quando o Brasil já registrava mortes em virtude da
pandemia. O último programa inédito havia ido ao ar em 28 de dezembro, sendo
que a gravação foi 15 dias antes (13 de dezembro). Quem sobreviveu mais tempo
foi o Topa ou não Topa, que também fincou reprises até março e, sem poder
voltar, tinha edições de gaveta gravadas ainda em dezembro. Por sua vez, é o
programa mais prejudicado a voltar agora porque depende de aglomeração de
várias modelos com maletas e sem a participação do auditório fica um tanto sem
graça.
Essa espera até março para o
ano iniciar, de fato, era comum no passado. Geralmente as emissoras esperavam o
ano esquentar para apresentar um pacote de estreias, novidades, novos quadros e
atrações inéditas. Mas hoje “esperar pelo Carnaval” pode ser meio tarde demais,
seja em termos de mercado, seja em termos de audiência. A Globo percebeu isso
rapidamente e há anos apresenta o BBB nesse hiato da concorrência. Favorecida
pelas polêmicas, emissoras sem produção inédita e povo confinado em casa,
conseguiu atrair toda a atenção para o reality, que teve o seu melhor
desempenho em vários anos.
Essa parada só se
justificaria, portanto, se houvesse um pacote de novidades e estreias sendo
preparado e tais projetos estivessem sendo desenvolvidos. Nada disso foi
apresentado ao público nos últimos anos. Geralmente são os mesmos quadros de
sempre, com novas temporadas. Para o ano de 2020, por exemplo, a única estreia
que estava prevista para março era a nova temporada do Fábrica de Casamentos,
que foi adiada e seus 7 primeiros episódios acabaram sendo exibidos primeiro na
TV fechada. Ou seja, quando estrear no SBT, já estarão em segunda mão.
Em outro ponto, Pelegio
destaca: “Esses jornalistas, talvez preconceituosos com o fato da concessão
pertencer a um ex-camelô, são Haters muito antes dessa expressão existir. Há
lugar para vários tipos de entretenimento, que não existe um certo ou errado e
que o público é dono do controle remoto e aprova ou reprova os conteúdos”. De
fato, ao longo da história, o SBT foi vítima de inúmeras críticas pelo seu
conteúdo. Era recorrente nos jornais se ler críticas mais voltadas para o gosto
pessoal do colunista, do que verdadeiramente achar que ser brega ou popular
fosse de fato um problema. Contudo, acredito que o momento seja diferente. Nesse
instante, em meio à crise econômica e sanitária, o ex-camelô, ora dono do SBT
há quase 40 anos, está preocupado em emplacar seu Triturando, desfilando com
ele pela grade, nem que para isso seja necessário sacrificar o SBT Brasil. Por
vezes, como num filme repetido, tenta emplacar algum jornalístico, com duração
de horas e conteúdo reprisado, pensando estar inventando a roda. Entre o dono
com preocupações irrelevantes e a direção de mãos atadas, o serviço de “haters”
se torna muito facilitado, para não dizer correto, para tentar minimamente
abrir os olhos.
Um dos principais setores que
sofrem com a pandemia é a dramaturgia, já que é um tipo de produto que exige
contato entre atores, aglomeração de equipe, com muitas pessoas dentro de um
mesmo ambiente/estúdio. Com essa situação, “As Aventuras de Poliana” não terá
substituta. Se formos pensar, ao pé da letra, ela já não teria. Do alto dos
seus 559 capítulos, a trama teria, em sequência, uma nova fase, que estava
sendo chamada de “Poliana Moça”, com praticamente o mesmo elenco e só com novas
caras para repor o elenco perdido. Para uma novela que chegou a dar mais de 17
pontos de média no seu início e hoje fica na casa dos 8 pontos, a que patamar
chegaríamos nos próximos meses? Aliás, fica a pergunta: será justificável mesmo
que se mantenha essa “segunda parte” como projeto mesmo com a pandemia
impossibilitando a continuidade no ar? Enquanto isso, Patinho Feio é adiada
pela enésima vez e Leonor Corrêa, a única autora do SBT que não é do clã
Abravanel, é demitida.
Reflexo desse comodismo pode
ser mensurado quando o SBT “criou” uma faixa de reprises após a novela inédita
infantil. Em nenhum momento houve, de fato, qualquer ensaio para que essa
atração fosse substituída por uma outra novela inédita (adulta ou não) ou algum
programa ou mesmo se antecipasse o Programa do Ratinho como era no passado. Simplesmente ficou ao sabor do vento.
Por essa faixa já passaram
Carrossel, Chiquititas e atualmente está no ar Cúmplices de um Resgate. Essa
reprise que ainda mantinha o patamar de dois dígitos, hoje sofre para alcançar
7 pontos, o que pode ser explicado por três motivos: 1) as novelas estão
entrando muito tarde para seu público-alvo; 2) a novela inédita que antecede
caiu bastante de patamar pelo desgaste natural de tantos capítulos e 3) as
reprises, pasmem, conseguem ultrapassar o número de capítulos da original.
Carrossel teve em sua versão
original 305 capítulos e na reprise contou com 392. Já Chiquititas com 545
capítulos que pareciam insuperáveis pelos inúmeros clipes que preencheram a
trama, chegou a 605. Já Cúmplices de um Resgate, que teve 357 no original, já
ultrapassou esse patamar e nesta segunda vai ao ar o 370 e tem muito chão ainda
pela frente.
Veja que o cenário para uma
reprise de Chiquititas não é o ideal. Para se ter uma ideia, de 1997 a 2020,
apenas 7 anos não contaram com Chiquititas no ar na grade do SBT, sendo que
desde 2013 em pelo menos alguns dias de cada ano a novela esteve presente.
Buscando aliviar um pouco a barra, o SBT anuncia uma “edição especial” para
tentar fazer o telespectador levar a crer em algo mais ágil no ar. Promessas do
tipo também foram feitas na reprise de “Canavial de Paixões” no horário nobre
em 2010 e teve mais capítulos que o previsto. E também com a ex-Manchete “A
História de Ana Raio e Zé Trovão”, que conseguiu ter mais capítulos que a
versão original (258 x 251).
A realidade pode se impor e,
caso não tenha o desempenho satisfatório, a edição especial de fato se concretizar.
Mas que ninguém duvide que, se surpreender um pouco, ela consiga mais um recorde
“pessoal” em número de capítulos, para que na tranquilidade total venha uma
substituta inédita sabe-se lá quando.
Para terminar, ninguém
aqui desmerece o trabalho dos profissionais do SBT, artistas, direção e
produção. Todos que estão trabalhando nesse momento, com responsabilidade e na
medida de suas possibilidades, são guerreiros. Mas é preciso ter cuidado para
que a marca do comodismo não tome conta da emissora. Porque hoje, a percepção
que se tem, é que um produto é infinito e com pouquíssimas novidades se ele
tiver sendo vice ou faturando bem. Não existe cuidado em poupar a imagem de
atores e artistas, em estipular um calendário de temporadas de programas e
quadros de sucesso, de se propor uma nova faixa de shows sem as amarras da
atual ou de se pensar em criar um produto que possa vir a ser um sucesso
comercial e não pela lógica contrária de só entrar no ar se for uma atração já
vendida. Todas essas questões pesam na imagem do SBT e precisam ser avaliadas. Não pelo momento de agora, mas pelo contexto geral. Descansar
tudo bem, mas baixar a guarda nunca.